INOVAÇÃO, VALE DA MORTE E O ELO PERDIDO

 

Artigo de Eduardo Marson para a Revista Tecnologia & Defesa

A inovação, seja ela qual tipo for, incremental ou disruptiva, é por definição, a chegada ao mercado de um novo produto, modelo de negócio ou serviço, proporcionando benefícios à sociedade. Nesse processo, o caminho a ser percorrido requer esforço, persistência e foco, de forma que não existe inovação sem uma dose maior ou menor de risco. Independentemente da intensidade tecnológica, o desenvolvimento da novidade passa por diversos estágios, desde a sua ideação até a sua materialização como produto aplicado. Esses estágios usualmente são denominados de níveis de maturidade, lembrando que aqui estou sempre me referindo à inovação de forma ampla e, por isso, deixo de lado a expressão tecnológica.

Uma forma de avaliar o estágio em que um produto se encontra e que é bastante reconhecida mundialmente é o Nível de Maturidade Tecnológica ou Technology Readiness Level – TRL para os íntimos. Essa forma de avaliação foi proposta pelo pesquisador da NASA Stan Sadin, em 1974, e consiste em avaliar de forma objetiva o estágio de desenvolvimento de um produto. Inicialmente proposto com 7 níveis de maturidade e mais tarde ampliado para comportar melhor todas as etapas de um desenvolvimento, o TRL é utilizado mundialmente como uma referência. No Brasil, diversos órgãos de governo, em especial as Forças Armadas, vêm utilizando o TRL como uma medida da prontidão de uma determinada tecnologia ou produto para sua aplicação prática, assim como para avaliar o nível de risco de seu desenvolvimento. Em princípio, quanto mais madura ou pronta uma tecnologia, tanto menor o seu risco em aplicá-la em uma operação real.

A figura ilustra os 9 níveis de TRL considerados atualmente e a sua associação aos diversos estágios de desenvolvimento de um produto. De uma forma bastante simplificada, se imaginarmos o desenvolvimento de um produto, cada um dos TRLs a partir do primeiro nível corresponderia a: 1-Pesquisa dos princípios básicos; 2-Formulação do conceito da tecnologia ou aplicação possível; 3- Desenvolvimento de prova de conceito experimental ou teórica; 4- Validação em ambiente de laboratório; 5- Validação em ambiente próximo ao real; 6- Demonstração de protótipo em ambiente próximo ao real; 7- Demonstração de protótipo em ambiente operacional; 8- Qualificação do produto por meio de testes e demonstração; 9- Operação do produto em ambiente operacional.

Em termos de desenvolvimento tecnológico, os TRLs podem ser agrupados pelas diversas fases de um projeto que envolvem: a Pesquisa Básica (TRL1-2), o Estudo de Viabilidade (TRL2-3), o Desenvolvimento da Tecnologia (TRL3-5), a Demonstração da Tecnologia (TRL5-6), o Desenvolvimento do Sistema (TRL6-8) e a Entrada em Operação (TRL8-9). Não irei entrar nos detalhes dessa divisão e nem nos critérios que levam a essa superposição.

Ao observarmos essa sequência de estágios ou níveis de desenvolvimento, surge uma constatação muito interessante. Geralmente, os níveis de TRL de 1 até 3 são realizados em instituições de pesquisa, tipicamente a Academia. Os níveis de TRL de 7 até 9 correspondem ao espaço de atuação das Empresas, que se servem da tecnologia e a transformam em produtos acabados e os lançam no mercado. Nesse ponto, o leitor se perguntará: e os demais níveis? Pois bem, esse é o denominado Vale da Morte da Inovação. É justamente nesses estágios em que ocorre o naufrágio de muitos produtos, ou seja, a transformação do conhecimento em produto falha. E aí surge outra questão: por quê?

Existem várias argumentações e teorias para responder a essa questão. Mas, ao contrário de argumentos que tomam em consideração o investimento para vencer cada uma dessas etapas, gostaria de me concentrar em um aspecto muito interessante. O denominado Vale da Morte é um momento de transição, não só em termos de tecnologia, mas principalmente de um mundo para outro. Nos primeiros estágios do desenvolvimento, o foco em adquirir e desvendar o conhecimento é o mote principal. Por outro lado, nos estágios finais, o foco no produto resultante, seu custo benefício, estabilidade, dentre outros, é a meta. Pois bem, temos aqui o que chamamos de transição do conhecimento da Academia para a Empresa. São dois mundos diferentes, cada qual com os seus valores, objetivos e tempos próprios – e muitas vezes conflitantes.

Aqui estamos diante de um verdadeiro choque de culturas. Discussões sem fim e, muitas vezes, sem começo. Divergências e expectativas distintas. Pressões e timing, além de outras questões, tornam essa interação muito complicada e, não raro, infrutífera. É como se faltasse um elo, o diplomata que dialogue bem com ambas as partes e que tenha a capacidade de realizar esse estágio de transição do conhecimento para o mundo do mercado.

Recentemente, com a publicação do Marco de Ciência e Tecnologia, que imprimiu alterações e avanços significativos na legislação que orienta o processo inovativo no Brasil, as instituições privadas dedicadas à ciência, tecnologia e inovação – ICTs privadas – foram reconhecidas como atores relevantes no Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Ainda sob orientação deste mesmo Marco, a relação entre poder público, Academia, ICTs privadas e Empresas é incentivada e facilitada, para dar mais agilidade e segurança jurídica e aumentar as chances para que o Vale da Morte da Inovação seja superado.

É nesse ponto que instituições isentas de interesses e que tenham compromisso com o desenvolvimento nacional podem desempenhar um papel relevante e fundamental. A capacidade de capturar necessidades, traduzi-las em demandas para quem faz a pesquisa básica e também ter a capacidade de transicionar o conhecimento para quem desempenha o verdadeiro jogo do mercado. Tais instituições atuam como eixo da hélice que reúne os atores da Inovação. São os chamados Honest Brokers.

Então, talvez essas instituições – livres de interesses comerciais, com agilidade e visão de setor privado e capacidade intelectual para dialogar e entender o conhecimento produzido na academia e atuar junto ao Governo e o Setor Empresarial – sejam o Elo Perdido da Inovação.

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