Do mito de Ícaro a obra do brasileiro Alberto Santos Dumont, o sonho do homem de voar sempre permeou a história da evolução do mundo e, o que décadas atrás fazia parte de livros e filmes futurísticos de ficção científica hoje está saindo das páginas e das telas e se tornando realidade. Falo aqui dos carros voadores, que, de uma forma diferente do que se havia imaginado, chega com o nome de eVTOLs (Electric Vertical Take-Off and Landing).
O desenvolvimento de eVTOLs e a Mobilidade Aérea Avançada (AAM – Advanced Air Mobility) têm trazido uma previsão de crescimento expressivo da indústria aeronáutica até 2030 no mundo e o Brasil está inserido nesse novo cenário de transportes.
Com a perspectiva de entrada de novos veículos há necessidade de adoção de medidas de harmonização do uso do espaço aéreo integrando aos sistemas de gerenciamento de tráfego aéreo (ATM) e ao sistema de defesa área (ASD), as novas tecnologias e soluções para o gerenciamento de tráfego aéreo de RPAS (UTM), além de gerenciamento de tráfego aéreo urbano (UATM).
O impacto geral da AAM vem sendo comparado à introdução, outrora, do motor a jato na aviação. Assim, vários países têm iniciado os trabalhos para a concepção e definição da estratégia de implantação do AAM. No Brasil, o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) já emitiu a DCA 351-6 – Concepção Operacional do UTM Nacional, visando integrar os novos veículos não tripulados (RPAS) no ecossistema do espaço aéreo brasileiro, mantendo o nível de eficiência e segurança operacional requerido. Ademais, diante do cenário crescente do voo de RPAS, o DECEA tem implantado um sistema inovador de solicitação de acesso ao espaço aéreo.
Nesse contexto, o sistema UTM surge para monitorar simultaneamente e, em certa medida, controlar um grande número de RPAS. Contudo é fundamental um aprimoramento e evolução visando a inclusão da mobilidade aérea urbana e eVTOLs, além da construção de um amplo sistema digital, com apoio de inteligência artificial e aprendizagem de máquina, a fim de permitir a otimização plena das operações autônomas dos RPAS e dos eVTOLs pilotados.
Uma notável diferença, entretanto, reside na vasta quantidade de sistemas de RPAS e aeronaves de asas rotativas já presentes nas áreas urbanas, bem como no rápido avanço dos eVTOLs, que possuem uma tendência, ainda que remota, de operar de forma totalmente autônoma, ou seja, sem a necessidade de pilotos, em diversos cenários urbanos e regionais.
Essa evolução no campo da aviação e dos veículos aéreos não tripulados traz consigo desafios e oportunidades. Em áreas metropolitanas densamente povoadas, como a cidade de São Paulo com sua grande frota de helicópteros, o tráfego aéreo pode se tornar cada vez mais congestionado e a chegada dos eVTOLs, que podem operar em espaços menores e decolar e pousar verticalmente, certamente vai trazer novas sistemáticas e adaptações para o gerenciamento de tráfego aéreo.
A operação de aeronaves não tripuladas apresenta uma surpreendente similaridade com aeronaves tradicionais, em especial, as de asas rotativas. Conforme os dados de 2021 da Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros (ABRAPHE), São Paulo possui a maior frota de helicópteros do mundo e a região metropolitana e cidades vizinhas hospedam uma frota de 411 helicópteros, com cerca de 2.200 pousos e decolagens diários. Esse adensamento de tráfego aéreo metropolitano onde muitas aeronaves operam simultaneamente em uma mesma área exigirá maior automatismo.
Assim, muito em breve, eVTOLs estarão sobrevoando as principais cidades do mundo, contribuindo para acelerar e trazer evolução para o transporte de cargas e passageiros. Contudo, cabe aqui destacar que a entrada desse novo modal aéreo na Mobilidade Urbana requer ações para avaliação do impacto da reconfiguração do meio: a cidade de Orlando/USA, por exemplo, iniciou a elaboração do seu Plano de Transporte de Mobilidade Aérea Avançada para realizar estudos dos impactos ambientais e econômicos, bem como avaliação de oferta de malha de transporte urbano e conectividade regional e integração com outros modais de transporte aéreo, terrestre e marítimo.
A construção dos veículos eVTOLs, principal elemento da AAM, encontra-se em estágio muito avançado e com os primeiros voos de protótipos já sendo efetuados. Entretanto, a evolução dos diversos outros elementos igualmente essenciais não tem acompanhado essa mesma dinâmica. O atraso na elaboração, por exemplo, de prescrições sobre a certificação dos veículos, de normas para a sua operação e o treinamento de pilotos, de procedimentos para a gestão dos voos e a manutenção dos veículos, das políticas e critérios para a supervisão da segurança operacional pode, efetivamente, impedir o início dos serviços AAM nas datas almejadas. Sem contar o elemento sine qua non dos vertiportos.
Embora as aeronaves de mobilidade aérea continuem a ser uma grande parte do foco para os desenvolvimentos de AAM, mais e mais atenção também está sendo direcionada para o desenvolvimento em larga escala de vertiportos, para definição de áreas dedicadas para pouso e decolagem vertical e toda a infraestrutura de abastecimento elétrico e centros de controle de tráfego aéreo, que deverão ser complementados com um bom aparato tecnológico: informações meteorológicas e rotas aeronáuticas para operações seguras do AAM em regiões metropolitanas.
Uma estratégia abrangente do AAM deve ser capaz de oferecer resposta aos múltiplos desafios. Por exemplo, as dificuldades para operações BVLOS (Beyond Visual Line of Sight) e voos sobre áreas densamente povoadas a baixas altitudes, são fatores capazes de dificultar significativamente também a aceitabilidade social dos novos veículos aéreos. Somente com uma estratégia apropriada se facilitará orientar a elaboração ou revisão das concepções operacionais e implementação tempestiva dos diversos elementos requeridos.
Apesar de todos esses desafios, a entrada dos eVTOLs, considerando todos os aspectos de infraestrutura e segurança, pode ser um grande salto na busca pela minimização dos gargalos hoje existentes quando se trata de mobilidade urbana, especialmente nas questões para reduzir o congestionamento do tráfego terrestre e a emissão de CO2. As aeronaves entrariam nesse ecossistema para atuar em conjunto com outros meios de locomoção, trazendo uma nova alternativa e seus valores agregados.
Diante do ritmo acelerado do desenvolvimento do eVTOL o fundamental hoje é a criação de uma estrutura que possibilite a sua entrada em operação de forma segura e em grande escala, compartilhando o espaço aéreo com as aeronaves tradicionais, dispondo de toda infraestrutura e sistemas de apoio terrestre e estando alinhado com o planejamento de transporte urbano e regional.
O futuro da mobilidade urbana está nos céus e, nesse contexto, os eVTOLs chegam para agregar, especialmente na emersão de cidades inteligentes por todo o mundo, trazendo benefícios à locomoção, à qualidade de vida dos cidadãos e à sustentabilidade.