Em artigo publicado neste espaço na edição anterior, mencionei que o propósito dos Programas Estratégicos da Área de Defesa vai além da aquisição de capacidades: envolve transferência de tecnologia, formação de especialistas e a preservação de uma capacidade nacional autônoma, estratégica e sustentável. Adiciono mais uma camada nesta discussão: o setor de Defesa, quando estruturado como política de Estado, pode ser não apenas instrumento de soberania, mas também uma alavanca estratégica de crescimento econômico e inovação.
O chamado complexo industrial-militar, que articulou governo, forças armadas, universidades e empresas privadas em um sistema contínuo de pesquisa e inovação nos EUA durante a Guerra Fria financiou projetos de alto risco que geraram tecnologias de uso dual, como a internet, o GPS, a microeletrônica e aviação a jato, cujos efeitos de transbordamento impulsionaram a economia civil, criaram indústrias de ponta e consolidaram a liderança tecnológica norte-americana.
Esse modelo pode e deve inspirar o Brasil. Ao fomentar a aplicação dual de tecnologias em sistemas estratégicos, abre-se espaço para que a Base Industrial de Defesa e Segurança (BIDS) se torne um dos pilares do desenvolvimento nacional. O transbordamento tecnológico não se limita a produtos inovadores: envolve também processos, técnicas e metodologias que, inicialmente concebidos para fins militares, podem gerar ganhos expressivos em setores de alto impacto social e econômico.
A logística marítima é um bom exemplo. Um dos seus maiores desafios atualmente é a rápida evolução tecnológica no setor. Neste sentido, é preemente que portos de diferentes portes e com necessidades operacionais diversas se preparem para o advento das novas tecnologias, a exemplo do conceito de e-Navigation, que integra a coleta, análise e troca de informações marítimas em terra e a bordo por meios eletrônicos, para melhorar a navegação de atracação e serviços relacionados, garantindo mais segurança, eficiência operacional e proteção do meio ambiente marinho.
Assim, um Serviço de Tráfego de Embarcações – VTS é um auxílio eletrônico à navegação com capacidade de prover monitoramento ativo do tráfego aquaviário, cujo propósito é ampliar a segurança da vida humana no mar, a segurança da navegação e a proteção ao meio ambiente nas áreas em que haja intensa movimentação de embarcações ou risco de acidente de grandes proporções.
Já um Sistema Integrado de Vigilância Marítima – VTMIS permite aos serviços aliados e outras agências interessadas, o compartilhamento direto dos dados do VTS, em tempo real, aumentando a efetividade das operações portuárias ou da atividade marítima como um todo.
Nesse contexto, a experiência desenvolvida em conjunto com a Marinha do Brasil na formulação, concepção e definição do SisGAAZ, o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul, um sistema de sistemas com caráter primordial de Comando e Controle (C2) que coleta dados de diversos sensores e sistemas para correlacioná-los dos, fundi-los e classifica-los, gera informações que permitem obter consciência situacional e apoiar a tomada de decisões. Essa “expertise” nos credencia a atuar de forma efetiva na modernização da infraestrutura portuária do país.
Essa competência, aplicada à especificação e implantação de Sistemas VTS, VTMIS e outros, revela o potencial transformador da sinergia entre Defesa e inovação tecnológica. Além disso, cria oportunidade de retorno por meio do compartilhamento de informações, conforme previsto em norma, com o próprio SisGAAz, por meio da interoperabilidade.
Ao articular Defesa, Tecnologia e Infraestrutura Crítica, o Brasil tem a oportunidade de transformar desafios em oportunidades estratégicas. Investir nessa integração significa não apenas proteger nossas riquezas e garantir soberania, mas também pavimentar o caminho para uma economia mais competitiva, sustentável e inovadora, capaz de posicionar o país como protagonista global no século 21.
Roberto Lorenzoni, Diretor Presidente da Fundação Ezute
