ENQUANTO ESPERAMOS PELO CISNE NEGRO

Artigo escrito por Eduardo Marson Ferreira e publicado na Revista Força Aérea
Maio/2017

Nassim Nicholas Taleb é um matemático e escritor libanês radicado nos Estados Unidos e autor de A lógica do cisne negro, de 2007. É também um megainvestidor, tendo forjado grande parte da sua fortuna nos momentos das maiores crises do mercado financeiro mundial.

Nesse livro ele explica que antes do advento da ocupação do continente australiano pelos europeus, estes achavam que a ocorrência de um cisne negro numa população dessas aves era um fato extraordinário, raríssimo. Por isso, usou esse termo, “cisne negro”, para descrever acontecimentos inesperados ou imprevisíveis, e, altamente impactantes, para o bem e para o mal.

Dessa forma, eventos como o ataque às Torres Gêmeas no 11 de setembro em Nova Iorque ou o início da 1ª Grande Guerra, além do próprio advento da internet, seriam classificados como “cisnes negros”. Afinal, a despeito dos riscos inerentes ao posicionamento diplomático-militar americano no mundo, que gera sentimentos de ódio em várias regiões do planeta, quem em sã consciência poderia crer no dia 10 de setembro de 2001, que um ataque suicida daquelas proporções poderia acontecer no jardim de Tio Sam na manhã seguinte?

Taleb fala ainda em seu livro da pródiga capacidade humana de simplesmente inventar uma lógica para explicar o “cisne negro” depois que o acontecimento “catastrófico” já ocorreu. Capacidade essa de juntar um monte de pedaços de informação desencontrados que supostamente estavam à vista de todos, que explicam o acontecido, mas que ninguém teria tido a capacidade de construir um nexo causal entre eles antes. Tecer comentários e críticas já se sabendo o que se passou é fácil…típica atitude de “engenheiro de obra pronta”, como dizemos aqui em terras tupiniquins. Como relata Taleb, caso algum legislador tivesse aprovado uma lei tornando obrigatória a instalação de custosas portas blindadas na cabine de todos os aviões americanos, quem sabe não tivesse evitado o pior. Mas, certamente tal personagem não seria lembrado como herói, mas por trazer mais custos à combalida indústria do transporte aéreo, já que nenhuma grande catástrofe teria ocorrido.

Finalmente, A lógica do cisne negro tenta ensinar o leitor a perceber os sinais que antecedem os acontecimentos dessa natureza e se preparar para eles, quem sabe até surfar a onda que os sucedem. Pelo sucesso do autor no mercado de capitais, parece que a fórmula dá certo!

E o que tudo isso aí tem a ver com Indústria de Defesa?

Em nosso Brasil, costumamos salientar o caráter pacato dos cidadãos, o longo período sem conflitos e a suposta ausência de ameaças à nossa integridade territorial como explicação para o pequeno interesse da população pelo tema da Defesa. Desde o advento do Ministério da Defesa (MD), são incontáveis os diagnósticos feitos nesse sentido, que muitas vezes acabam ocupando destacados espaços nos prólogos de documentos oficiais, produzidos certamente para defender o investimento no setor! Parece que já começamos esses documentos pedindo desculpas antecipadas por estar gastando na DEFESA DO PAÍS!

Como consequência, essa falta de respaldo da opinião pública torna o setor um forte candidato a ter seus investimentos ceifados pelo facão do contingenciamento orçamentário todos os anos. Em 2017 não foi diferente, com 40% das verbas do Ministério da Defesa nessa situação. As consequências já sabemos e uma delas é o foco do interesse desta coluna: a fragilização, desestruturação e, muitas vezes até, o desaparecimento de várias empresas e cadeias produtivas inteiras do setor. Não preciso nem exemplificar aqui, sei que todos têm na mente vários casos assim ou vivenciam o dia a dia do drama nas suas próprias companhias.

As Forças Armadas já estão sofrendo as consequências dessa desestruturação da base industrial de Defesa em vários projetos. Os sinais disso estão claros aí para quem se dispõe a entende-los, e nem são tão desconexos assim como aqueles que precederam o 11 de Setembro. Em breve assistiremos a uma revoada de cisnes negros, e com muita imaginação vamos classificá-los como imprevisíveis e chegar à conclusão de que o impacto negativo é relevante sobre as capacidades industriais no país. Vamos provavelmente construir uma explicação extremamente racional para os acontecimentos, dizer que tínhamos tudo para evitá-los. Mas a realidade é uma só: a indústria precisa de previsibilidade e visibilidade do fluxo financeiro dos programas militares, atuais e futuros. É isso! Nenhum cisne negro!

Em tempos de revisão da Estratégia Nacional de Defesa e do Livro Branco de Defesa, recomendo a todos a leitura preliminar do livro de Nassim Taleb.

Xô, cisne!

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