Por Nathan Facundes – Gerente de Desenvolvimento do Negócios da Fundação Ezute
A mobilidade urbana está passando por um momento de transformações, habilitado pela tecnologia e, em seus aspectos fundamentais, orientado pela demanda dos usuários. O MaaS – Mobilidade como Serviço (traduzido) está indo para seu próximo nível, o estágio do quando, tendo como base as conjecturas que moldaram sua concepção.
O termoMaaS – Mobility As A Service foi popularizado no Congresso Europeu de Sistemas Inteligentes de Transporte, em Helsinque, capital da Finlândia, em 2014, tendo como definição “…um modelo de distribuição de serviços de mobilidade que reúne todos (ou os principais) serviços de mobilidade (de um município, região metropolitana, Estado ou país) em uma única interface mantida por um provedor de serviços.” No entanto, podemos ter a nossa própria definição de MaaS dependendo da forma que o visualizamos: Há visões que têm o usuário como principal elemento no MaaS. Outras mantém a diretriz de que sua espinha dorsal está na infraestrutura de Transporte Público. A definição muda de acordo com o papel e no problema a ser resolvido, mas a ideia central permanece a mesma: o resultado do MaaS são processos que têm como objetivos integrar produtos e serviços no intuito de atender os usuários.
As expectativas são altas, e os arranjos possíveis para se criar um modelo de negócio estão em constante evolução.MaaS não é um produto ou serviço, não é algo que se aproprie a todo custo ou que alguém possa mergulhar para pegar. É uma maneira de pensar, um conceito que converge com objetivos sustentáveis de mobilidade.
As evoluções tecnológicas que surgiram desde sua definição, tal como em celulares, IoT (Internet das Coisas,traduzido), big data e inteligência artificial, e a mudanças no comportamento das pessoas, criou um paradigma para o futuro da mobilidade urbana, em especial para o transporte público, com ramificações disruptivas para os operadores e gestores públicos. São soluções globais disponibilizadas de forma direta à população que, em função de aspectos inovadores têm gerado grande pressão junto aos órgãos reguladores, seja pela população, ávida por um transporte mais eficiente e confortável, seja pelas provedoras de serviços de tecnologia de mobilidade, que disponibilizam suas soluções muitas vezes ignorando os impactos que geram nas regiões metropolitanas onde atuam.
Tais soluções têm como objetivo atender a população com produtos e serviços que complementam a mobilidade urbana de forma ampla, sem necessariamente se integrarem às soluções locais de bilhetagem eletrônica e de transporte público. Com foco na sua sustentabilidade econômica e com a justificativa de estarem evoluindo a mobilidade urbana, têm apresentado às cidades mais riscos que oportunidades. Isso é evidenciado na forma agressiva que se apresentam, muitas vezes sem um modelo de negócio sustentável, desvinculado dos aspectos culturais e sem a regulamentação necessária para operarem.
UBER não é MaaS, pelo menos da forma com que atua hoje no Brasil. Ele atende a um conceito denominado MoD – Mobilidade sob Demanda (traduzido).
Como exemplo, temos o mototáxi,MoD disponibilizado por provedores de serviços de mobilidade no Brasil. Regulamentado pela lei federal – Lei nº 12.009/2009 e por leis e decretos municipais e estaduais, foi aceito em parte relevante dos municípios brasileiros. Entretanto, o município de São Paulo vem tendo grande embate com esses provedores, proibindo o serviço sob o argumento de que está sob forte pressão no seu sistema de saúde. Tal justificativa seria desnecessária se observarmos o disposto no Art.11-A da Lei 12.587/2012, que disciplina a responsabilidade do município. Ainda assim, de acordo com dados do Infosiga (https://infosiga.detran.sp.gov.br) o município de São Paulo possui a média de 8,78 mortes/100 mil habitantes relativos à acidentes automobilísticos – dados de maio/2025. Mesmo que menor que a cidade do Rio de Janeiro, que possui a média de 11 mortes/100 mil habitantes no trânsito (https://www.data.rio) – em São Paulo os aspectos culturais e o cotidiano refletem um cenário bem diferente do Rio de Janeiro, que mantém grande aprovação do serviço pela sua população. Outro exemplo é o serviço Yellow, que oferecia compartilhamento de bicicletas e patinetes em São Paulo. Iniciado em 2018, teve sua falência decretada em 2023 em função de graves problemas financeiros.
O desenvolvimento de um modelo de negócio integrado, que viabilize a sustentabilidade econômica e operacional das empresas através de uma forte convergência com os sistemas públicos de transporte, e em atendimento a políticas públicas de mobilidade, saúde, educação, segurança e meio ambiente é o caminho que deve ser viabilizado pelos gestores públicos para a correta implantação de soluçõesMaaS. No arranjo de soluções que observamos no Brasil, e com referência à experiência obtida em outros locais no mundo, temos que o MaaS é o “guarda-chuva” que integra os diversos serviços de mobilidade, públicos e privados, fornecendo ao usuário um alto nível de experiência de utilização, com o agrupamento de produtos e serviços que se interconectam, com opções de roteirização, formas de pagamento e comunicação com os operadores e gestores da mobilidade, adaptando dinamicamente os serviços ao perfil de cada usuário.
Entretanto, para que haja esse salto de maturidade, o atual modelo de governança existente nos municípios brasileiros deve ser repensado, pois os principais vetores que compõem oMaaS estão hoje dentro de políticas de governo e não sob a égide de uma política de estado. O cenário ideal para implantação sustentada do MaaS no maior nível de maturidade possível, abrange muitos aspectos, dentre os quais destacam-se:
a. Gestão da mobilidade urbana centralizada – no município ou região metropolitana: fornecer a oportunidade para o usuário planejar, pagar e utilizar o transporte de acordo com suas preferências pessoais, com os serviços disponibilizados em uma plataforma simples, intuitiva e convergente, com a gestão centralizada dos serviços disponibilizados aos usuários
b. Alto nível de maturidade na integração dos serviços de mobilidade, públicos e privados: planejamento de cada serviço, de acordo com seu modal, com capacidade de inclusão de novas soluções de forma integrada, dentro de padrões abertos e previamente estabelecidos (tecnologia)
c. Modelo de negócio integrado a políticas públicas de interesse da população (cultura): vincular o modelo de negócio a políticas públicas, e em consequência, a políticas tarifárias que garantam a sustentabilidade financeira das soluções
d. Integração dos meios de pagamento e da geração dos direitos de viagem: implantação do modeloABT (Account-Based Ticketing) e o compartilhamento da responsabilidade da geração dos créditos gerados pela compra entre o ente público e privado, com uma Clearing tecnologicamente robusta e funcionalmente simples
e. Regulamentação das soluções: criação de instrumentos capazes de promover a inclusão de novas soluções, com garantia de convergência e concorrência, disciplinando os impactos junto aos serviços de transporte já existentes, público ou privado, coletivo ou individual.
Ainda que o cenário ideal esteja distante da realidade Brasil, há estratégias que permitem adequar a infraestrutura de transporte gradualmente. Para tanto o gestor público deve criar um processo de transformação digital que considere um programa de ações e investimentos alinhados com os Planos de Mobilidade Municipais, o qual têm o papel de definir as diretrizes de longo prazo que deverão ser executadas, em caráter apartidário, garantindo a execução de ações de curto prazo e o planejamento irrefutável das ações de médio e longo prazo.