Como o Conceito Operacional transforma ideias em entendimento compartilhado e sistemas reais

“Todo sistema nasce duas vezes — primeiro na mente de quem o imagina, depois na realidade de quem o constrói.” — Adaptado de Stephen Covey

Vivemos em uma época repleta de boas ideias: cidades inteligentes, transportes autônomos, governo digital, indústria conectada.

Mas o verdadeiro desafio não é inventar — é alinhar.

A maioria dos projetos complexos falha não por limitações tecnológicas, mas porque as pessoas envolvidas nunca compartilharam a mesma visão do que realmente estavam tentando construir.

É aí que entra o CONOPS — Concept of Operations, ou Conceito Operacional.

Longe de ser um documento burocrático, o CONOPS é a história operacional que dá sentido e coerência à engenharia.

Ele transforma uma visão em um entendimento comum — e esse entendimento em ação concreta.

O QUE É UM CONOPS?

Formalmente definido pelas normas IEEE 1362 e MIL-STD-498, o Concept of Operations é uma descrição narrativa de como um sistema deve operar em seu ambiente real, sob a perspectiva dos usuários e demais partes interessadas.

O CONOPS pertence ao domínio do problema, não ao da solução.

Ele é escrito em linguagem humana, não em diagramas técnicos.

O CONOPS não explica como o sistema funciona — ele mostra como o sistema será usado.
É a forma mais inicial e poderosa de pensamento sistêmico: a imaginação estruturada de futuras operações.

Antes da arquitetura, antes do código, antes dos requisitos — deve existir uma história que todos compreendam.

POR QUE O CONOPS É ESSENCIAL

Um CONOPS não é apenas documentação; é o primeiro ato de comunicação de um sistema.
Ele conecta estratégia, operação, usuários e engenharia em uma narrativa coerente.

Serve como uma visão única e compartilhada do sistema a ser desenvolvido.
Gestores, engenheiros, operadores, usuários e decisores passam a enxergar o mesmo sistema da mesma forma.

Em vez de interpretações divergentes, o CONOPS se torna a referência única para todas as decisões técnicas e organizacionais.

Esse alinhamento é vital.

Ele reduz retrabalhos, orienta a definição de requisitos, antecipa riscos operacionais e permite validar o conceito antes mesmo de qualquer desenvolvimento.

Em resumo, o CONOPS faz com que todos vejam o mesmo futuro antes de se investir nele.

A ESTRUTURA DE UM BOM CONOPS

Um CONOPS claro e útil normalmente inclui:

  • Contexto Operacional – porque o sistema é necessário, que problema resolve e em que ambiente atuará;
  • Atores e Papéis – usuários, operadores, sistemas e organizações que interagem com ele;
  • Cenários Operacionais – situações típicas e extremas, com suas sequências e decisões;
  • Fluxos de Informação – como dados, decisões e comandos circulam entre os nós;
  • Restrições e Dependências – limitações tecnológicas, regulatórias ou ambientais;
  • Critérios de Sucesso – o que significa, na prática, o sistema “funcionar bem”.

Esses elementos, combinados, formam uma narrativa completa: não apenas como o sistema opera, mas como ele se insere na vida real das pessoas.

UM EXEMPLO PRÁTICO — PROJETANDO UM SISTEMA DE TRANSPORTE INTELIGENTE E CENTRADO NO CIDADÃO

Imagine uma cidade de médio porte decidida a reformular sua mobilidade urbana com foco em conforto, acessibilidade e previsibilidade.

A visão do projeto: uma cidade onde os cidadãos se deslocam com facilidade, segurança e tranquilidade, independentemente do meio de transporte.

O projeto: um Sistema Integrado de Transporte Inteligente, conectando ônibus, metrô, bicicletas e aplicativos de transporte em uma única plataforma digital adaptativa.

O CONOPS não começa com tecnologia — ele começa com a experiência humana.

06h45 — Ana abre o aplicativo de mobilidade da cidade. O sistema recomenda uma rota multimodal: um curto trajeto de bicicleta até a estação de metrô, seguido de um trem rápido e um micro-ônibus elétrico até o destino. A plataforma evita trechos íngremes e sugere a opção mais confortável para as condições climáticas daquele momento.

07h10 — Um atraso é detectado na linha do metrô. O sistema recalcula automaticamente a rota e propõe uma conexão de ônibus expresso, informando o novo tempo estimado de chegada.

07h20 — No Centro de Controle de Mobilidade, os operadores observam um aumento repentino no fluxo de passageiros em outro bairro. O software de alocação dinâmica redistribui veículos de rotas próximas, equilibrando a demanda.

07h40 — Paulo, um usuário com deficiência visual, planeja seu trajeto com o mesmo aplicativo por meio de comandos de voz. O sistema sugere rotas acessíveis, prioriza pontos com piso tátil e envia alertas aos motoristas para facilitar o embarque.

08h00 — Ana chega ao trabalho e avalia sua viagem. O feedback alimenta modelos preditivos que otimizam horários, consumo energético e manutenção preventiva da frota.

Antes mesmo de qualquer requisito técnico, esse CONOPS já revela necessidades implícitas:

  • Integração em tempo real entre provedores públicos e privados
  • Latência inferior a 10 segundos para funções críticas
  • Confiabilidade mínima de comunicação de 99,5%
  • APIs interoperáveis entre agências e operadores
  • Interfaces inclusivas e multilíngues
  • Módulos de IA para gerenciamento dinâmico e manutenção preditiva

Mais importante ainda: define um resultado emocional — uma experiência de mobilidade mais confortável e tranquila.

O “conforto do cidadão” deixa de ser um ideal abstrato e se torna um requisito de projeto, mensurável e verificável.

Esse é o verdadeiro poder de um CONOPS: transformar política em propósito, e propósito em engenharia.

UM ERRO COMUM

É frequente confundir o CONOPS com uma especificação técnica.

Mas o CONOPS não é o manual do sistema — é a história do seu uso.
Deve ser escrito em linguagem clara, acessível e compreensível para qualquer leitor.

Quando se enche de jargões ou detalhes de projeto prematuros, o CONOPS perde sua essência: o poder de unificar.

O CONOPS fala sobre pessoas, decisões e resultados, não sobre protocolos ou formatos de dados.

DO CONOPS AO MBSE

Na abordagem Model-Based Systems Engineering (MBSE), o CONOPS é a semente de onde crescem todos os modelos formais.

Cada ator, cenário e interação descrito no CONOPS pode ser transformado em:

  • Diagramas de casos de uso
  • Diagramas de atividades e sequência
  • Modelos de contexto e arquitetura

O MBSE não substitui o CONOPS — ele o mantém vivo e rastreável, garantindo que a visão operacional original permaneça presente durante todo o ciclo de vida do sistema.

O CONOPS é a alma, e o MBSE é o corpo que lhe dá forma.

O VERDADEIRO PODER — ENTENDIMENTO COMPARTILHADO

O CONOPS fornece um modelo mental comum que une todos os envolvidos antes da primeira decisão de design.

Ele transforma opiniões dispersas em uma narrativa única, tornando-se a referência oficial para especificações, discussões e revisões futuras.

Quando surgem divergências — e elas sempre surgem —, a equipe pode retornar ao CONOPS e perguntar:

“Essa mudança mantém a coerência com a visão operacional que definimos?”

É nesse momento que o CONOPS revela todo o seu valor.

REFLEXÃO FINAL

“A tecnologia só tem sucesso quando serve à vida — e a vida é melhor compreendida por meio de histórias.”

O CONOPS é essa história.

É onde o engenheiro aprende a ouvir antes de construir, a observar antes de modelar e a compreender antes de especificar.

Talvez os melhores sistemas não comecem com um diagrama ou uma linha de código,
mas com uma visão compartilhada de como o mundo deve funcionar — escrita de forma clara, no idioma das pessoas.

E VOCÊ?

Como a sua organização alinha a visão dos projetos antes do desenvolvimento?
Já participou da elaboração de um CONOPS que mudou o rumo de um sistema?

Compartilhe suas experiências — todo grande sistema começa com uma história compartilhada.

Autor: Davi Rogério da silva Castro – Especialista em Engenharia de Sistemas

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