SUSTENTABILIDADE ESTRATÉGICA E PARCERIAS

 

09/01/2017 – Artigo escrito por Tarcísio Takashi Muta para a revista Tecnologia & Defesa

Nos Estados Unidos, a década seguinte ao término da Segunda Guerra Mundial gerou demandas de trabalho que não eram atendidas satisfatoriamente pelas organizações existentes, fossem elas empresas privadas, governo ou academia. Por exemplo, um primeiro ensaio de um modelo de parceria público-privada foi o Air Force Project, aprovado pelo DoD para execução em parceria com a Douglas Aircraft em 1946, e quando rapidamente as contratantes vivenciaram confl itos de interesse entre as atividades de fornecimento de equipamento (hardware) e a pesquisa e análise com objetivos de orientar decisões de longo prazo para a Força Aérea. Como consequência, já em 1947, por sugestão da Douglas, 50 pesquisadores foram segregados numa organização sem fi ns lucrativos, que passou a receber verbas sufi cientes para cobrir os custos daquelas pesquisas. Essa situação levou a uma inovação que foram as organizações quase-governamentais. Esse modelo de organização foi gradativamente ampliado e aperfeiçoado e, atualmente, existem cerca de 40 desse tipo apoiando o governo federal norte-americano.

Foi assim que nas décadas de 1940/50 surgiu o embrião do que é hoje a Mitre Corporation, uma organização de direito privado e sem fi ns lucrativos, que opera diversos centros de pesquisa e de desenvolvimento, fi nanciados pelas agências do Governo Federal dos Estados Unidos. Atualmente, a Mitre atua junto a agências do governo nas áreas de estudos e análises; pesquisa e desenvolvimento; e engenharia de sistemas e integração, sempre buscando soluções inovadoras visando o interesse público. Um diferencial na operação desse modelo é a existência de fundos defi nidos para os projetos assumidos, gerando continuidade no trato de assuntos e projetos de relevância para o Estado e a sociedade norte-americana. São os FFRDCs (Federal Funded Research and Development Centers).

Os primeiros passos da Mitre se deram nos laboratórios do Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT), durante a Segunda Guerra Mundial, com a solicitação para investigar o uso de computadores para desenvolver um simulador destinado ao treinamento de tripulantes de bombardeiros, que culminou com o desenvolvimento do primeiro computador digital de elevada capacidade – Whirlwind. No início da Guerra Fria, a Força Aérea Norte-Americana decidiu utilizar computadores para o controle de interceptação e o Whirlwind era o único adequado para essa missão. Em 1958, a Mitre Corporation foi comissionada pelo Congresso como uma corporação privada, sem fins lucrativos, para fornecer serviços de Engenharia e orientação técnica ao governo, com um foco inicial em necessidades de defesa. Foi então encarregada de desenvolver o SAGE, sistema de defesa aérea semiautomático e, devido à sua complexidade, exigiu que a organização caminhasse entre os setores militares, da indústria e das universidades. Com isso, a Mitre consolidou sua atuação em Engenharia de Sistemas e de Integração, característica que passou a ser o seu DNA principal, atendendo às necessidades da atualidade e permitindo que governo e setor privado possam tomar as melhores decisões e implementar soluções para os desafios complexos de importância nacional e global norte-americana.

Com atuação desvinculada de qualquer interesse comercial, só fornecendo para o governo e sequer podendo desenvolver produtos para o mercado, nem competir com empresas privadas, essas organizações garantem maior objetividade no desenvolvimento dos projetos do governo e na inter-relação com as demais entidades ligadas ao Governo Federal, empresas privadas e universidades, permitindo um trânsito mais fluido entre os diversos entes da federação.

Esse diferencial e a presença parceira e continuada tornaram essas entidades organizações estratégicas pois não utilizam as informações privilegiadas e confidenciais a que têm acesso para obter qualquer vantagem competitiva, bem como aplicam todo o seu conhecimento adquirido em projetos diversos, com continuidade, garantindo que as melhores práticas e as mais modernas tecnologias sejam aplicadas e disseminadas, em prol da sociedade.

No caso da Mitre, envolve-se diretamente em projetos de importância nacional, aplicando os conceitos de systems engineering e tecnologias avançadas. A organização conta, para isso, com um time de especialistas multidisciplinar e essa diversidade eleva o nível de qualificação da instituição para enfrentar os desafios de atender às necessidades do governo e do bem comum da sociedade, com excelência.

Esse papel sistêmico e integrador projetou a Mitre para atuação não só para agências militares de defesa e inteligência como também para as civis da aviação, saúde, judiciário, segurança cibernética, modernização de organizações, e do judiciário.

O grande diferencial que essas organizações trazem para as agências do governo é a contínua disponibilidade e capacitação atualizadas, suprindo as necessidades das organizações de governo na sua missão junto à sociedade, sem descontinuidades comuns decorrentes de movimentação de pessoas e lideranças, atualização tecnológica, exemplos que tipicamente ocorrem em organizações públicas e que prejudicam as suas produtividades, e a sociedade.

Podemos dizer que no Brasil existem modelos parecidos de organizações, mas que não têm as mínimas garantias de continuidade e sobrevivência pela ausência de um desenho institucional estruturado moderno e mais adequado de governo, que separem os interesses legítimos das forças de mercado daquelas ligadas a interesses estratégicos ou de longo prazo do Estado e das organizações do governo, estes necessariamente considerados em planejamentos estraté- gicos de alto nível. Como consequência temos vazios na legislação de compras e a pobreza qualitativa nos orçamentos governamentais, realidade transparente e repetitiva na vida brasileira.

O governo brasileiro poderá ter grandes benefícios se aceitar e souber integrar a atuação da Defesa e da Ciência e Tecnologia e promover a atuação parceira em conjunto com organizações desse tipo.

Uma visão de valor desse modelo pode ser encontrada em um trecho da entrevista do ministro Mangabeira Unger intitulada “Crítica ao Pensamento Jurídico Brasileiro, segundo Mangabeira Unger” reproduzida a seguir:

“…Mas há uma outra opção. E esta outra opção se tornará cada vez mais importante durante o curso do século 21 e apresenta um grande desafio para o Direito. Esta outra opção é o engajamento da sociedade civil independente, sem objetivo de lucro, como parceira do Estado na qualificação dos serviços públicos.”

Essa realidade também pode ser vista como uma oportunidade para o Ministério da Defesa, que precisa de solução continuada para a missão constitucional e operacional para atuação das Forças Armadas e, por conta disso, tornar mais real, prática e visível a sua contribuição com o desenvolvimento tecnológico e soberania nacional, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, como acontece na maioria das nações desenvolvidas.

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