“DINOSSAURO ASSUSTADO”
Por Eduardo Marson Ferreira para a Revista Força Aérea
No último dia 30 de abril em Los Angeles, durante um painel no Instituto Milken sobre “Estratégia e Liderança em uma Era de Disrupção”, o bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann chamou a si mesmo de “dinossauro assustado”.
Uma das mais brilhantes mentes da história do capitalismo brasileiro acabara de assistir dois outros painéis, um sobre a indústria de alimentos, novos produtos e maneiras novas de produzir, e outro sobre inteligência artificial (IA) e confessou seu assombro diante de um mundo que “disrupt” numa velocidade alucinante.
Durante décadas, a fórmula de sucesso do grupo dirigido por Lemann era usar dinheiro barato, adquirir empresas com marcas tradicionais (sobretudo do ramo de alimentos e bebidas) e aplicar forte gestão com foco em eficiência para aumentar seu valor. Ora, o dinheiro barato não existe mais, a partir do aumento da taxa de juros nos mercados centrais como Estados Unidos e Europa, com consequente diminuição da liquidez mundial. De outro, as marcas tradicionais veem seus modelos de negócio em cheque no mundo todo. Afinal, os produtos de Burguer King ou Heinz não estão necessariamente associados à onda global de alimentação orgânica e saudável, enquanto as marcas de cervejas centenárias da AB InBev sofrem forte concorrência das cervejarias artesanais ágeis, criativas e com capacidade de se adaptar ao gosto do freguês.
Até o 3º pilar do modelo consagrado de Jorge Paulo, a introdução de uma forte e agressiva gestão rumo à eficiência, não é uma unanimidade hoje. Muitos investidores, individuais e institucionais, passaram a questionar se essa agressividade na gestão não promove ambiente de trabalho pouco saudável e menos humanizado. E, atualmente, esse é um ponto importante na decisão de se investir ou não em determinada empresa.
Portanto, como sempre tento destacar aqui na coluna, as mutações rápidas e radicais acontecem em todo o mundo e afetam até (ou melhor, sobretudo) os gigantes dos diversos setores produtivos. Com certeza nos ramos da Defesa e da Aeronáutica não pode acontecer diferente.
Recentemente me deparei com interessante artigo no portal BCG (www.bcg.com) intitulado “How AI and Robotics Will Disrupt the Defense Industry”.
Em resumo, o texto tenta provar que a chegada cada vez mais forte da robótica e da Inteligência Artificial no campo de batalha terá duas importantes consequências: a introdução do conceito de Guerra Inteligente (Intelligent Warefare) e mudanças radicais na indústria de defesa.
No conceito da Guerra Inteligente, passaremos a visualizar um complexo campo de batalha, com a utilização por exemplo de veículos autônomos em maior quantidade (inclusive para “re-supply” das tropas), monitoramento do espaço cibernético com capacidades de ataque e defesa propiciado por IA, sistemas anti-UAVs, robôs, sistema de logística otimizada via IoT e “big data” e sistemas de comando e controle com processamento autônomo de informações e tomada de decisão, entre outros componentes de uma rede. Como se vê, autonomia é a palavra-chave do futuro campo de batalha no sentido de retirada do elemento humano.
Nesse cenário, a indústria “tradicional” tem ainda tratado IA e a robótica sob um prisma de complemento às suas atividades centrais e com isso embutem nos seus planos de negócio um alto risco para a perenidade dela mesma. Acostumadas que são aos longos períodos e altos custos de desenvolvimento das suas plataformas, essas empresas ainda não sentem a necessidade de repensar sua inserção no futuro.
Por outro lado, as Forças Armadas do mundo já se preparam para conviver com as plataformas tradicionais que já possuem em seus arsenais, mas agregando a elas capacidades de IA e robótica para aumentar sua performance. E talvez em uma década, as plataformas tradicionais darão lugar a outras mais autônomas e mais multi-propósito, com “payloads” que agregam IA para cumprir missões específicas e com “upgrades” mais digitais do que físicos.
Nesse mundo que requer mais velocidade de desenvolvimento, inovação e custos mais baixos de projeto e execução, ganham espaço empresas menores e ágeis que focam IA e robótica, ameaçando o reinado dos grandes “contractors”. Para exemplificar, o artigo da BCG publicou um quadro interessante que mostra que 60% das despesas do DoD americano em sistemas robóticos como veículos autônomos e realidade aumentada foi para pequenas empresas não-tradicionais no mercado de Defesa já em 2017.
Em momento de pensar a indústria de defesa, a reflexão sobre a capacidade de adaptação das “marcas tradicionais” às tendências futuras se faz necessária. Mais ainda, escancara a oportunidade que temos nesse setor no mundo para as empresas brasileiras que se dedicarem à Inteligência Artificial e à robótica.
Nada de dinossauro assustado.