ESPAÇO… A FRONTEIRA AFINAL?

 

Artigo escrito por Eduardo Marson Ferreira, presidente da Fundação Ezute, para a Revista Força Aérea (outubro\2017)

Numa recente apresentação em sessão mensal do COMDEFESA da FIESP*, meu mestre Anastácio Katsanos brindou a audiência com uma brilhante palestra sobre a evolução do mercado espacial no mundo, que gira em torno de algo como US$ 323 bilhões ao ano. Não se propôs, em nenhum momento, a analisar o atual estado de coisas do setor no Brasil, mas nem por isso a preleção foi menos impactante para todos os brasileiros presentes.

Ficou claro que o mercado de acesso ao espaço de domínio de veículos espaciais teve três drivers desde as décadas de 40 e 50 do último século: em primeiro lugar, a forte direção estatal através das agências como a NASA nos EUA e suas congêneres na antiga URSS e na Europa; já no final do século 20, os destinos do mercado eram ditados pelos grandes usuários, como empresas de comunicação em massa de voz, dados e imagens, do tipo Iridium, INMARSAT e Google. Mas agora a terceira onda é dominada, pasmem, pelo chamado venture capital, ou capital privado disposto a correr altos níveis de risco!

Até 5 ou 10 anos atrás, os nomes dos investidores Elon Musk, Richard Branson e Jeff Bezos eram conhecidos respectivamente pelo PayPal de um, Virgin Records e Virgin Atlantic do outro e Amazon Books do terceiro. Paul Allen era apenas o ex-sócio de Bill Gates na Microsoft. Eram!

Elon Musk e seu Space X, veículo lançador revolucionário de primeiro estágio reutilizável, fez o custo de colocar satélites em órbita despencar. Quando há dez anos ele declarou que o faria, a comunidade espacial riu do empresário. Hoje, após realizar vários lançamentos bem-sucedidos, inclusive um com 20 satélites a bordo, está planejando o lançamento simultâneo de três veículos espaciais de sítios diferentes. Seu plano de negócios prevê um lançamento a cada 15 dias!!! Alguém duvida agora que irá conseguir?

O disléxico Richard Branson resolveu voar mais alto que seus Boeings da Virgin Altantic Airways e lançar a corrida pelo turismo espacial. Apesar de um acidente fatal com o primeiro protótipo de seu jato lançado de um avião, o White Knight II, em breve levará felizardos perto da estratosfera. Em seus planos futuros, a ida à Lua e Marte, mesmo caminho trilhado por Jeff Bezos da Amazon.

Já Paul Allen resolveu juntar dois Boeings 747 em uma única estrutura para, em alguns anos, lançar satélites a partir dessa plataforma a um custo muito menor do que um artefato tradicional. Com esse superavião, ele poderá voar até a linha do Equador e lançar o foguete com o satélite na longitude mais eficiente para a entrada em órbita, acabando com a vantagem competitiva de sítios de lançamento tradicional como Kourou e…Alcântara!

O Brasil deu o pontapé inicial no seu programa espacial ao final da década de 50, mais ou menos ao mesmo tempo em que Índia e Coreia do Norte. Embora tenhamos tido avanços importantes, a comparação com esses outros países dá uma sentença cabal da falta de prioridade que o setor tem em nosso país: a Índia hoje, depois de ter desenvolvido e lançado satélites de vários tamanhos e um veículo lançador, está prestes a colocar um ser humano em órbita; nem precisamos tecer grandes comentários de até onde chegaram os coreanos, protagonistas diuturnos das redes de TV do mundo todo com seu míssil intercontinental.

Do ponto de vista da indústria, ponto focal desta coluna, logramos ao longo do tempo, apesar dos altos e baixos, construir uma Base Industrial de Espaço mínima, com diversos fabricantes pulverizados e gravitando no entorno do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). Programas de satélites como o China-Brazil Earth Resources Satellite (CBERS) e a Plataforma Multimissão (PMM) criaram uma pequena rede de fornecedores e integradores de subsistemas, e mais recentemente, o SGDC deu-nos uma capacitação de integração mais robusta.

A indústria, bem ou mal, está aí! Mas num país com forte dirigismo estatal, como eram os países desenvolvidos nos anos 50, a indústria espera saber para onde ir. Mas o próprio Estado brasileiro parece não saber bem o que fazer com um setor de suma importância estratégica e tecnológica. Note que falei em Estado brasileiro: pois o acesso ao espaço e aos serviços advindos dele para a população, em áreas como agricultura, meteorologia, navegação, auxílio a desastres, planejamento territorial, geoprocessamento ou defesa, não pode nem deve ser apenas o programa deste ou daquele governo.

A dicotomia, muitas vezes maniqueísta, da existência simultânea de um programa civil e um militar de acesso ao espaço, com a natural disputa pelo parco orçamento, por si só nos faz patinar eternamente. É preciso uma urgente convergência dos interesses nacionais do setor espacial no mais alto nível da República, para que se torne verdadeiramente um programa de Estado, esquecidos os vieses e as divergências do passado através de uma governança robusta. Um Programa Espacial Brasileiro deveria ser, antes de qualquer coisa, um elemento de união nacional em torno de um objetivo comum.

Já perdemos muito tempo. Logo, logo, a vantagem equatorial de Alcântara estará suplantada pelo Boeing de Allen. Será melhor construir uma pista de 4 Km para os superaviões lá no Maranhão do que os pads de lançamento para tentar capturar uma parte do business!

Ou convergimos todos agora, Estado, academia e indústria, para um projeto comum, ou arriscamos a ver surgir um Richard Branson que tome em suas mãos o destino do nosso acesso ao espaço e toda a riqueza que vem, ou viria, junto. Afinal, não é à toa a atual primazia do Venture “CAPITAL” no setor…

*Departamento da Indústria de Defesa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

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