UMA CÂNDIDA HOMENAGEM
Neste artigo, Eduardo Marson Ferreira presta homenagem a Jairo Cândido, empresário fundador do grupo Inbra e diretor do Departamento da Indústria de Defesa da Fiesp (Comdefesa), que faleceu no dia 18 de julho de 2017.
Algumas pessoas passam pela vida da gente e deixam marcas indeléveis. Impactam nossa maneira de pensar, de agir e nos obrigam a refl etir sobre o sentido das coisas e dos fatos.
Um desses personagens ímpares, meu querido amigo Jairo Cândido, nos deixou no último dia 18 de julho, após perecer do jeito que viveu: lutando! Não poderia ser diferente com aquele que nos últimos tempos personifi cou a luta pela Base Industrial de Defesa e Segurança forte e por um Brasil mais soberano, luta difícil e muitas vezes inglória.
Conheci Jairo quando cheguei ao Grupo EADS (hoje Airbus) como CEO no Brasil, em 2003. Naquela época, sua defesa apaixonada pela adoção, pelo Brasil, de um “Buy Brazilian Act” nos moldes do que é praticado em países como os Estados Unidos ou a França, nos colocava em lados opostos. Eu, dirigente de uma empresa multinacional do setor, ele um empresário nacional batalhando por um lugar ao sol. Nunca vou esquecer um café da manhã organizado por outro saudoso empresário, Fernando Botelho, em homenagem à IMBEL… Eu estava na mesa de outro querido parceiro, general Amarante, quando Jairo chegou e disse ao general: “a nossa salvação é o “Buy Brazilian”. Do alto de meus 40 anos de idade, minha reação mental foi algo como “o que esse cara tá dizendo! Preciso conversar com ele e explicar umas coisas! ”. Arrogância da juventude…
Um almoço no restaurante Ecco, na rua Amaury, em São Paulo, inaugurou uma amizade muito forte e o respeito profi ssional entre nós. Eu comecei a entender o que é ser empresário no Brasil, ser um sobrevivente dentro de um sistema hostil ao empreendedorismo, que não ajuda ou, via de regra, atrapalha. Compreendi a necessidade de equiparar o sistema de compras de defesa no Brasil àquilo que já é praticado fora, nem mais nem menos. Enfim, entendi que aqueles cabelos brancos não estavam ali por acaso, foram forjados a ferro e fogo nas trincheiras de lutas da indústria. Em compensação, ele também abriu uma concessão para reconhecer a contribuição do capital estrangeiro à criação de empregos e geração de parcerias com a indústria nacional, especialmente da parte das empresas multinacionais com longevas e sérias implantações no País.
Falei em trincheira de lutas da indústria. Através de sua militância na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), Jairo Cândido veio a apoiar o então candidato oposicionista à presidência, Paulo Skaf. Em troca, não pediu nada para si, apenas pediu que a indústria de defesa tivesse um maior protagonismo naquela casa. Com a criação de um comitê, depois alçado a Departamento, nasceu o COMDEFESA e com ele Jairo e Paulo Skaf erigiram aquela que seria a mais influente trincheira de defesa dos interesses do setor, que logo foi copiado por outras federações de indústrias.
Do COMDEFESA emanaram ideias e documentos que ajudaram o Ministério da Defesa a construir a Estratégia Nacional de Defesa (END), o Livro Branco da Defesa Nacional e a Lei 12.598 que finalmente criava a Empresa Estratégica de Defesa (EED) e os Produtos Estratégicos de Defesa (PEDs). Durante todo o tempo em que esteve à frente do Departamento, as opiniões de Jairo sempre balizaram ministros e comandantes das Forças Armadas. Nessas ocasiões, ele defendia sempre o conjunto da indústria, nunca ninguém o viu defender os interesses particulares de suas empresas. Isso ele fazia questão de deixar claro.
Industrial bem-sucedido, seu Grupo INBRA chegou a ter a metade de toda produção de veículos blindados, no país que mais vende blindados no mundo; desenvolveu uma divisão aeroespacial que hoje fornece para grandes grupos mundiais, incluindo a Embraer; advogado titular da JC Advogados Associados, consolidou um sistema de auxílio jurídico às famílias militares com uma capilaridade inigualável por todos os cantos do País; esposo, pai e avô querido.
Mas será sempre pela defesa apaixonada da indústria que Jairo será lembrado. Temos todos a obrigação de manter seu ideário vivo, especialmente enquanto ainda não alcançamos as vitórias pelas quais ele lutou. Até o momento não temos uma efetiva aplicação do seu “Buy Brazilian”, pois a Lei das EEDs ainda fomenta dúvidas e necessita esclarecimentos, nunca foi aplicada depois de tantos anos. Tampouco temos a segurança orçamentária de que necessita a indústria para investir, planejar e, muitas vezes, simplesmente sobreviver. Seguimos vendo “compras de oportunidade” que ele tanto criticava por quase sempre desmerecerem a indústria local.
Vamos em frente, a vida segue! Fica a imensa saudade dos inúmeros encontros de sábado pela manhã no escritório de advocacia, dia e hora em que nós dois tínhamos mais tranquilidade para conversar e quando ele iniciava a conversa com um: “e aí, menino, quais são as novidades? ”. Ou da nossa roda de charutos com os amigos e companheiros de batalha, ocasião em que ele ouvia quieto os excitados em volta falando alto até ele começar a opinar e todos ficarem em silêncio para ouvir.
Nas palavras de Santo Agostinho, em “A Morte Não É Nada”, uma frase que acho resumir o espirito de Jairo Cândido: “Eu sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo” Missão cumprida, Jairão! Bravo Zulu! Saudade… Edu
Nota da Revista: O gráfico publicado pelo autor em seu artigo da edição 149 (pg.25) foi adaptado de Incose Systems Engineering Handbook.
Obrigado pelo comentário, Fábio! Abs