A HORA E A VEZ DAS EEDS

 

Artigo de Eduardo Marson Ferreira para a Revista Força Aérea (Fev/2018)

Os últimos dias de 2008 foram de notícias auspiciosas para o setor de defesa, sobretudo para a nossa base industrial. Afinal, o governo do presidente Lula bateu o martelo de programas estruturantes como o PROSUB e o H-XBR e pavimentou o caminho para o F-X, SISFRON e SisGAAz. Momentos de um Brasil que queria ser grande e, para tanto, pensava em programas igualmente grandiosos. E a indústria pensou que poderia pegar carona nessa grandiosidade.

Foi também o momento do lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (END), cujo debate se iniciara com a Política Nacional de Defesa (PND) de 2005, e que teve seu anúncio solene no Palácio da Alvorada feito pelos ministros da Defesa, Nelson Jobim, e dos Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. Este último, ao encerrar seu discurso em bom português forjado por décadas de vivência em Harvard, vaticinou solene: “o futuro tem por destino ser perigoso”. Da perspectiva de 2018, engenheiros de obras prontas que somos, sabemos agora o que é feito desse futuro…

Mas vamos olhar para a frente…

A END, ao destacar a importância para o país de contar com uma sólida Base Industrial de Defesa (BID), formada pela indústria brasileira e institutos de ciência e tecnologia nacionais, criou os alicerces da Medida Provisória 544 de 2011, hoje Lei nº 12.598, de 21 de março de 2012. No âmago da lei está a soberania nacional, o estímulo à inovação no país ou, como nos lembra sempre o ex-ministro Nelson Jobim , “o direito de o Brasil dizer não quando tiver que dizer não”.

A lei “ESTABELECE NORMAS ESPECIAIS PARA AS COMPRAS, AS CONTRATAÇÕES E O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS E DE SISTEMAS DE DEFESA; DISPÕE SOBRE REGRAS DE INCENTIVO À ÁREA ESTRATÉGICA DE DEFESA”.

Mas, antes de tudo, ela reconhece a existência das Empresas Estratégicas de Defesa (EED), de Produtos Estratégicos de Defesa (PED) e Sistemas de Defesa (SD), cuja contratação pelo Ministério da Defesa e Forças Armadas passou a partir daí a contar supostamente com ritos diferenciados da Lei Federal de Aquisições, a famosa “8.666”.

Por trás desses ritos, uma vez mais, o entendimento pelos dirigentes do país de que esse tipo de contratação carrega um grau muito alto de preservação da soberania e independência em relação aos países produtores de material de defesa, uma complexidade intrínseca não traduzida adequadamente na lei geral e um nível enorme de sigilo  em nome da segurança nacional. A “12.598” ficou na época conhecida como “Buy Brazilian Act”, em referência ao “Buy American Act”, legislação de compras de defesa americana que privilegia as aquisições de empresas locais por lá. Portanto, o legislador brasileiro nada estava criando de novo, mas reproduzindo um sistema mais que consagrado pelo mundo afora, na América mas também na Europa.

Pode parecer “chover no molhado” ficar aqui recuperando a memória da lei para um público sabidamente afeito ao tema. Mas acho importante que, ao passar dos cinco anos da edição da mesma, lembremos dos personagens e dos porquês que nos fizeram chegar a esse ponto, o que deu certo, o que deu errado. A indústria e sua representação institucional, COMDEFESA da FIESP, ABIMDE, SIMDE, por exemplo, tiveram papel central na discussão e aprovação da 12.598. Lembro-me dos discursos firmes do saudoso amigo Jairo Cândido aos quatro cantos da República…Pensávamos poder fazer evoluir a BID através dos dispositivos da lei. Hoje a realidade é que, salvo engano da parte deste autor, não ocorreu uma única aquisição no Brasil de um PED ou SD produzido ou desenvolvido por uma EED após tantos anos de entrada em vigor da legislação!

Se há lacunas na lei, se há adequações a fazer em nome da segurança jurídica, que sejam feitas. Só não devemos e não podemos perder as conquistas da BID. Uma das mais significativas é o entendimento de tratar as indústrias de capital majoritário nacional com a precedência que os outros países também as tratam em seus próprios territórios. E esse tratamento diferenciado foi considerado plenamente compatível com a Constituição Federal em recente parecer de renomados advogados de Brasília, contratados pela Associação Brasileira das Indústrias de Defesa e Segurança (ABIMDE) para opinar sobre esse ponto.

Uma grande contribuição para tornar-se realmente efetiva a lei seria uma orientação clara, juridicamente embasada, emanada do MD para todos os ordenadores de despesas contratantes de PED e SD de como simplesmente aplicar o que está na 12.598. E organizar o diálogo com os órgãos de controle para promover um entendimento comum dessa aplicação.

É imperativo, portanto, que a promessa de edição de uma “Cartilha de Utilização” da Lei de Aquisições de Defesa seja cumprida o quanto antes pelo Ministério da Defesa. Não podemos recuar das conquistas.

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