O fim da Guerra Fria, no início da década de 1990, dissipou a tensão bipolar no mundo trazendo grandes transformações na conjuntura internacional, especialmente para as áreas de Defesa e Segurança. Esse foi um grande marco, dividindo uma época de ameaças definidas e previsíveis para um tempo em que os riscos e perigos se tornaram imprevisíveis, invisíveis e diversificados, incluindo as ameaças cibernéticas, surgidas em um mundo altamente tecnológico, globalizado e conectado.
Nessa nova ordem, o contexto de segurança tornou-se dinâmico, complexo e imprevisível. As ameaças e ataques hoje podem se dar das mais diversas formas e o inimigo pode atuar diretamente ou realizar suas ações mesmo estando do outro lado do mundo, sem mover um só recurso físico. As ameaças não se apresentam apenas pelo poder bélico de cada país, mas também de forma invisível, por meios cibernéticos, sanções econômicas, guerra de informação etc.
Pode-se dizer que certo grau de incerteza sempre esteve presente nos projetos de Defesa e Segurança, porém, com a atual incerteza da natureza dos conflitos, pode-se considerar que esse fator foi exponenciado. Com os recursos limitados para investimento em projetos, não é possível estar preparado para todos os tipos de ameaças, tampouco considerar todos os potenciais inimigos no momento de executar um novo projeto. É necessário mais que nunca o uso da inteligência para identificar o nível e a probabilidade de cada ameaça, frente ao seu poder de resposta e de ferramentas de planejamento para apoiar a tomada de decisão na priorização dos projetos e, consequente melhor aplicação dos recursos disponíveis.
Hoje, é primordial a capacidade de identificar e estar preparado para ameaças e conflitos futuros. Os planejadores dessas áreas têm o grande desafio de antever esses novos riscos e capacitar os países adequadamente e da melhor maneira para o enfrentamento a essas questões.
Dessa forma, um sistema de Segurança e Defesa deve dotar-se das capacidades necessárias para uma pronta resposta frente às ameaças mais prováveis. Daí a necessidade premente de se realizar um Planejamento Baseado em Capacidade (PBC), que vem sendo utilizado por muitos países nas últimas décadas em substituição ao Planejamento por Ameaças, largamente utilizado no período da Guerra Fria.
Planejamento Baseado em Capacidade
Como disse o Barão do Rio Branco, historiador brasileiro, Ministro das Relações Exteriores durante os governos de quatro presidentes no início da República: “nenhum Estado pode ser pacífico sem ser forte”. Um Estado forte vai além de suas Forças Armadas bem equipadas. Podemos dizer que essa é uma condição básica, no entanto, outros fatores devem ser observados para garantir a soberania de um país. Suas infraestruturas críticas, sua autossuficiência em insumos básicos e insumos essenciais, sua economia e, claro, o poder de persuasão de suas FAs.
Um planejamento baseado em capacidade deve vislumbrar todos esses aspectos e, por sua natureza, antecipar eventos, viabilizar a adoção de medidas preventivas, traçar diretrizes em diversos níveis, o que exige um acompanhamento atento e constante de todo o cenário internacional em diversos âmbitos.
Há que se observar as capacidades nos âmbitos Nacional, Militar e Operativas, sendo essas duas últimas mais vinculadas às suas Forças Armadas.
O desenvolvimento das Forças Armadas através de um PBC, resulta em uma Força preparada para enfrentar uma grande quantidade de ameaças elevadas, em vez de uma pequena quantidade de ameaças específicas, pois o PBC permite usar todas as capacidades disponíveis de forma integrada, além de se preparar para obter aquelas faltantes. Isso tudo com uma visão mais abrangente. Muitas vezes, inclusive, a capacidade que se necessita nem está nas Forças Armadas, mas em outro setor do Governo ou da Indústria Nacional.
O mapeamento das capacidades de Defesa de um país é facilitado quando ele possui sistemas de inteligência integrados. O PBC favorece a integração, a sinergia, o desconflito, a economicidade e a exequibilidade.
Ao mesmo tempo, é importante que a entidade responsável pelo PBC, possa fazer uso de ferramentas de geração de cenários para auxiliar na tomada de decisão considerando a projeção de riscos, impactos e probabilidade de ocorrência de determinadas ameaças.
Interoperabilidade
Em todo esse contexto, considerando a grande evolução tecnológica e o protagonismo da ciência de dados do mundo, uma palavra de difícil pronúncia ganha destaque a cada dia: a interoperabilidade, que diz respeito à habilidade de integração de diversos sistemas e organizações para atuarem em conjunto visando otimizar recursos, reduzir perdas, agilizar atuações, potencializar capacidades e permitir tomadas de decisão assertivas e eficazes.
Nas áreas de Defesa e Segurança, trata-se hoje de um conceito chave, permitindo operações conjuntas e combinadas entre as FAs. O Ministério da Defesa do Brasil tem atuado permanentemente com foco na interoperabilidade, sempre discutindo mecanismos para obtenção das demandas das operações conjuntas que extrapolem a capacidade logística das Forças Singulares.
Essa definição de que a estrutura do potencial estratégico do país se daria a partir de capacidades, em 2012, com a Estratégia Nacional de Defesa (END), permitiu a inserção do PBC no país. Nas Forças Armadas brasileiras estas capacidades são descritas como Doutrina, Organização, Adestramento, Meios, Equipamentos, Pessoal e Infraestrutura – DOAMEPI.
Interoperabilidade e PBC em diversos setores
A partir do exemplo da adoção do PBC e da interoperabilidade nas áreas de Defesa e Segurança, ainda é salutar destacar os seus efeitos positivos e impactos em diversos setores da economia, no sentido de preparar as organizações para um cenário de riscos e ameaças, para garantir a autonomia em casos de sanções e restrições impostas pelo oponente (tais como energético, cadeia de suprimentos alimentar, capacidade da indústria de defesa nacional produzir os suprimentos e armamentos necessários, etc.), bem como habilitá-los para a realização da “mobilidade” operacional de uso de meios alternativos para defesa e combate.
Delfim Ossamu Miyamaru, diretor-presidente da Fundação Ezute